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Por que os ciclistas curitibanos escolheram as canaletas?

Por José Carlos Assunção Belotto

Como estudioso da mobilidade urbana e ciclista, que pedala diariamente pelas canaletas Curitibanas, tentarei responder esta pergunta. Algumas pessoas colocam como vilões do trânsito os ciclistas que usam as canaletas, desconhecendo tecnicamente o porquê desta opção.      Infelizmente, até hoje para a prefeitura de Curitiba, a bicicleta sempre foi considerado um veículo de lazer, somente agora este pensamento começa a se modificar. O conceito bicicleta/brinquedo ainda foi usado na mais recente grande obra viária da cidade: a linha verde. Os 118 km de ciclovias de Curitiba, na sua grande maioria, ligam parques com parques, circundam a área central, não ligam os bairros com a região central. E ainda na maior parte seguem o conceito de calçada compartilhada, sendo esta invadida por pedestres, carros estacionados, caçambas, postes, pontos de ônibus e sem contar o sobe desce de meio-fio em cada esquina; não sendo confortáveis e funcionais para quem usa a bicicleta como meio de transporte. Não é verdade que a bicicleta precisa estar segregada para trafegar com segurança, em ruas com a velocidade limitada a 30 km por hora, é plenamente viável e seguro o compartilhamento. Além disso, se nossas autoridades municipais fizessem valer a lei, ou seja, o Código Brasileiro de Trânsito, que no seu artigo 58 diz: “Quando não houver ciclovia ou ciclo faixa a bicicleta deve trafegar pelo bordo da pista no mesmo sentido do fluxo dos demais veículos com prioridade sobre os carros”. Então, em tese, qualquer rua que não tenha ciclovia ou ciclo faixa a prioridade de uso do bordo da via é do ciclista.

Este artigo da lei não é divulgado, não existe uma única placa sinalizando para o seu cumprimento. Alguns motoristas colocam o ciclista como um invasor da via, mas como podemos observar no artigo do código de trânsito citado acima, a prioridade é do ciclista. Realmente, o ciclista necessita de trabalho educativo, mas todos os componentes do trânsito também precisam. Por que há tanta gente pedalando nestas vias e por que os ciclistas Curitibanos escolheram as canaletas de ônibus como seu trajeto preferido? Segue as razões principais:

01. Pela lei de uso do solo de Curitiba, a população se adensou ao longo das estruturais, onde é permitido construir os prédios mais altos, então, próximo aos corredores de ônibus mora a maioria da população de Curitiba. Estes eixos estruturais são compostos pelas canaletas de ônibus no meio, e de cada lado existe uma via lenta em sentidos opostos, a primeira rua paralela dos dois lados destes eixos são vias rápidas, uma em cada sentido, centro-bairro e bairro-centro.

02. Estes eixos de transporte fazem a ligação direta bairro-centro.

03.  Nas canaletas, só existem motoristas profissionais, e passam em média um veículo a cada um minuto e meio, enquanto que no mesmo tempo em outras vias, transitam dezenas ou até centenas de carros, com todo tipo de motorista.

04. Nas canaletas não existem entradas e saídas de garagem, não têm postes no meio, não tem carro estacionado, não têm caçambas, não tem sobe e desce de meio fio. Estes fatores aumentam o conforto, a fluidez e a segurança.

05. Estes eixos de transporte são bem iluminados e mais seguros contra assaltos.

06. A topografia é mais plana e o desenho menos sinuoso.

07. Aqueles que desejarem podem fazer a integração com o transporte coletivo, apesar de não existirem bicicletários nos terminais, amarram a bike no poste e seguem a viagem de ônibus.

É uma pena, mas a Linha Verde não tem uma excelente ciclovia, mais uma vez foi usado o conceito de calçada compartilhada e de lazer. Isso obriga o ciclista a inúmeras travessias, a ciclovia ora está de um lado da pista hora no canteiro central, ora está de outro. Alguns trechos foram feitos em zig zag, para avançar trinta metros o ciclista percorre cem metros, este modelo de há muito foi reprovado pelos ciclistas. Seria muito mais barato e eficiente fazer uma ciclo faixa paralela ao corredor de ônibus. Resultado é de que a maior parte dos ciclistas que passam pela linha verde usa a canaleta.

Por último apresento como proposta, a sugestão que há alguns anos desenvolvemos com a ajuda do ex-presidente da UCB (União dos Ciclistas do Brasil), e consultor ciclo viário, o arquiteto Antonio Miranda, e que se existisse o mínimo de vontade política, já seria realidade, transformando Curitiba em exemplo Mundial de integração bicicleta x ônibus. Implantando ciclo faixas paralelas as canaletas e se adotada em todos os eixos estruturais, seriam anexados aproximadamente 70 km de ciclo faixas a atual rede, permitindo a conexão com muitos trechos das atuais ciclovias de lazer que circundam o centro da cidade, formando realmente uma rede cicloviaria. E tudo isto a um custo baixíssimo, pois já está tudo pavimentado, bastando que fosse proibido o estacionamento de carros de um dos lados da canaleta, pequenas adaptações nos cruzamentos e implantação de sinalização. Com pouco investimento (aproximadamente 10 a 20 milhões de reais) para uma cidade do porte de Curitiba, transformaria a mobilidade da metrópole e com esta intervenção urbanística se tornaria uma das cidades mais ciclaveis do mundo.

 

José Carlos Assunção. Belotto

 Membro do GTH (Grupo Transporte Humano)

Conselheiro da UCB  (União dos Ciclistas do Brasil)

Associado fundador da Ciclo Iguaçu

Diretor de Ciclismo universitário da Federação Paranaense de Ciclismo

Coordenador do Programa de Extensão CICLOVIDA da UFPR 

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